O bar nosso de cada dia...
Em janeiro de 2009 o nosso eterno amigo Juvêncio de Arruda alertava que o boteco do Ranulfo ia acabar, a gente escutava a estória mas não acreditava, sabe aquele papo de fim-do-mundo segundo os Maias? Pois é, era por aí o negócio.
Em 4 de abril de 2009 tivemos a despedida, um bota-fora memorável, com direito a tudo, incluindo até camisa de despedida (serigrafada pelo Reco), o boteco ficou entupido de gente lacrimosa, rolou o melhor que o nosso pé-sujo poderia produzir, tira-gosto e cerveja estupidamente gelada...
Naquele dia estávamos alegres, e como diria Maiakóvski "e por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado...", realmente foi um dia de muita agitação e alegria.
O nome do boteco sempre achei estranho - Vital Drink's, depois de muito tempo fiquei sabendo que o nome do Ranulfo era "Ranulfo Vital", tá explicado, né?
A festa de despedida se eternizou...
O mais entusiasta daquela festa fez a sua despedida de verdade - Juvêncio Arruda (Juca), alguns meses após a festa o Juca faleceu deixando um vazio entre nós.
O prédio em que funciona o boteco do Ranulfo foi vendido em 2009 para uma construtora, fizemos a festa de despedida, mas o boteco não fechou, tudo porque a construtora ficou sem grana para iniciar a construção do prédio residencial, e aí?
O Ranulfo foi se fingindo de morto e foi ficando, ficando...
Ontem recebi um telefonema no final da tarde, a pessoa nem se identificou e foi logo falando com a voz embargada: - Olha mermão! O boteco vai fechar hoje, a defesa civil condenou o prédio do lado que pode desabar sobre o boteco.
Fiquei assustado e retruquei pesaroso: - É o Ranulfo?!
Ele me respondeu como o próprio ministro da educação: - Não, é o Papa!
Era mesmo o Ranulfo, aquele homem de uma delicadeza de pugilista de rua, que no primeiro momento fere a sensibilidade dos desavisados, para depois com o convívio se revelar uma moça no trato com os amigos.
Depois que ele desligou, por alguns momentos fiquei relembrando o quanto aquele pé-sujo e o seu dono fizeram parte da minha vida, o pé-sujo é uma instituição nacional, a alma brasileira pulsa a sua verdade nas mesas dos botecos, e os donos desses lugares lidam com todo tipo de gente, vai do doutor ao peão, convívio democrático, todos ali de sandália de dedo, camiseta e bermuda, soltando o palavrão livremente, nada de censura...
O título da postagem foi surrupiado do jornalista Elias Pinto.
Cabe uma sombria observação, Elias Pinto há dois anos escreveu um artigo para o jornal "Diário do Pará", o título do artigo era "Os bares em Belém acabam na quarta-feira", ele ficou só de bubuia esperando o desfecho do bar do Ranulfo, e não é que o boteco acabou na quarta-feira?!
Elias Pinto se vivesse na Grécia antiga ele desempregaria as pitonisas do templo de Delfos, fácil fácil.
O boteco acabou ontem.
Fui lá e encontrei com outras testemunhas do evento que virou história: Rui Baiano, Bruno Cabeção, Professor Gláucio e mais um anônimo, éramos poucos para muita emoção.
A cerveja sempre bem gelada.
O meu último tira-gosto era também a última porção de pirarucu, não havia mais cozinheiras, todas dispensadas com todos os direitos trabalhistas pagos, o Ranulfo foi para a cozinha e fez o melhor e mais delicioso pirarucu que já comi em toda a minha vida.
O Cabeção quis chorar, mas alguém em cima falou, parafraseando Adoniram Barbosa, "os homi tão com a razão nós arranja outro lugar", era muita emoção pra pouca gente.
É importante dizer que com o fechamento do boteco do Ranulfo (botafoguense e bicolor), muita gente vai perder o seu psicanalista, "adivinho", curandeiro, analista político, economista, engenheiro... O Ranulfo era vários num só, muito melhor que o Guido Mantega, Mãe Delamare não era páreo pra ele, as pessoas contavam os sonhos que tiveram para o Ranulfo, ele interpretava cientificamente e dizia qual o bicho no jogo de azar.
Ah! Por falar em interpretação de sonhos, uma vez ele me contou que um cara quis sacanear com ele, pediu uma cerveja e disse: - Ranulfo eu sonhei contigo, qual o bicho eu jogo?
Ele respondeu olhando firme nos olhos do cliente engraçadinho: - Viado!
O cara riu e sapecou: - Eu sabia!
O Ranulfo complementou: - Só pode ser viado, porque eu sou um cara feio pracaralho, um cabra sonhando comigo, só pode ser viado!
Depois dessa resposta o cliente ficou em silêncio, sem jeito pagou a cerveja e foi embora.
Pô Ranulfo! Vou ficar com saudades de ti, mermão.
Para encerrar, estou desarmado e sem quartel...
Deixo a pergunta feita por Neruda aos notívagos:
"É verdade que a esperança
se deve regar com orvalho?" (Pablo Neruda)
3 comentários:
DOMINGO (22.01) é Dia Nacional Contra a crueldade com animais.
Ananindeua vai participar, concentração na Praça Tancredo Neves, Bairro do Coqueiro, Cidade Nova 4.
Em Belém a manifestação será na Praça da República, em frente ao Hilton Hotel
Mais informações no link www.crueldadenuncamais.com.br
Anônimos,
Nada de crueldade...
Beijos
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